segunda-feira, 25 de novembro de 2013

quarta-feira, 6 de novembro de 2013

A Arma Escarlate - Renata Venturc

Terminei de ler o livro A Arma Escarlate e realmente me orgulho de ter lido este livro por dois motivos: primeiro por ser de uma escritora contemporânea brasileira e segundo por ter me surpreendido pela história.
Como já fiz o vídeo/resenha vou acrescentar apenas alguns cometários que esqueci de mencionar.
Sobre a abordagem que a autora faz a respeito do uso das drogas. Por ser educadora e responsável pelo Programa Saúde na Escola tive oportunidade de fazer alguns cursos sobre como trabalhar a temática junto aos jovens. E, segundo os formadores, as pesquisas apontam que apresentar os efeitos das drogas, o efeitos positivos claro, atiça a curiosidade de experimentar. Ao meu ver a autora foi muito feliz ao abordar o tema, pois apresentou reações diversificadas diante do vício, já  que cada pessoa é uma e cada expriência pode ser diferente. Então vamos ter uma aluna que rapidamente está comprando em grande quantidade, dando a entender que para ela o vício já estava bem forte. Vemos cenas de violência entre os alunos pela falta da droga.
Uma coisa que eu não achei legal foi a referência ao Harry Potter, quando é falado que foi lançado um livro que estava deixando a comunidade bruxa aterrorizada por medo de expor seu segredo. Achei desnecessário.
Outra coisa que eu me decepcionei um pouco é que a questão que é colocada no início a respeito da caixa de pandora, eu realmente esperava que fosse retificada e não ratificada como, de fato, foi. Claro que sem essa ratificação a história não teria se desenvolvido, n]ao teria como falar da questão da droga, do vício, etc.. Mas é que ficou um pouco fatalista: criado na favela, vivenciando situações de violência, necessariamente vai virar traficante. Eu tinha esperança que não fosse esse o caso. Mas enfim, é isso.


terça-feira, 22 de outubro de 2013

1984 - George Orwell




Embora o livro tenha um nome curso, apenas um número, um ano, ele é um livro denso e reflexivo.
O livro é uma distopia, ou seja, o autor cria uma previsão de futuro catastrófico em que o mundo está em guerra permanente entre os três grandes Estados Nação que existentes: Oceania, Eurásia e Lestásia. 
O personagem principal é o Winston Smith, que vive na Oceania e trabalha no Ministério da Verdade, cuja função é modificar o passado para que o passado não contradiga o Partido e aniquilar a cultura escrita para que não se torne fonte de questionamento. Este Partido governa a Oceania na pessoa do Grande Irmão e é dividido em Partido Interno, cujos mendos são a elite do partido e o Partido Externo, que são os trabalhadores dos ministérios. Além dos membros do Partido existe a Proles, que é nada mais nada menos que 85% da população.
Os membros do Partido não devem se entregar aos seus instintos, sendo assim, o sexo é feito com a única finalidade da procriação. Para averiguar o que faz e o que deixa de fazer os membros do Partido, em suas casas existe uma teletela, através da qual a vida de todos os membros é monitorada. A educação é realizada de uma forma a extirpar todo e qualquer desejo carnal e capacidade de questionar as afirmações do Partido. Se o Partido disser que 2 + 2 é igual a 5, é porque é.
Nosso personagem principal manusear o falseamento da verdade todos os dias no seu trabalho, então ele começa questionar o posicionamento do Partido e o livro, em partes, é a busca de Smith pela verdeira história e uma tímida tentativa de fazer parte do grupo que viria a derrubar o Partido.


O livro, ao meu ver, critica abertamente a revolução socialista e a ideia de igualdade que se defendia pelos socialistas e o tipo de "igualdade" que foi instaurada pelo regime comunista. 
Orwell nos traz uma rica reflexão sobre a sociedade e como ela é constituída. A exploração dos mais fracos pelos mais fortes, o falseamento da história para justificar sua ações e a manutenção do status quo.

George Orwell

Escritor indiano

George Orwell

25/06/1903, Bengala (Índia)
21/01/1950, Londres (Inglaterra)
Do Banco de Dados da Folha
[creditofoto]
George Orwell, pseudônimo de Eric Arthur Blair, nasceu em 1903, em Bengala (Índia), filho de um funcionário britânico e uma francesa. Muda-se para a Inglaterra em 1911, e vai para um internato. De 1917 a 1921, estuda no Eton College, uma das mais tradicionais escolas inglesas, onde tem aulas com o escritor Aldous Huxley. Em 1922, recusa uma bolsa para a universidade e volta à Índia para trabalhar na polícia imperial.

Retorna à Inglaterra em 1928. Vivendo na pobreza - chega mesmo à mendicância -, vaga por Londres e Paris até meados de 1930. Em 1933, publica seu primeiro livro, Na Pior em Paris e Londres.

Socialista, vai para a Espanha, em 1936, lutar na Brigada Internacional em apoio ao recém-eleito governo popular. Lutando na Espanha (1938) narra suas experiências na Guerra Civil Espanhola.

Durante a Segunda Guerra Mundial, Orwell trabalha como correspondente de guerra para a BBC. Em 1945, publica A Revolução dos Bichos, até hoje sua obra mais popular. Outro livro conhecido em todas as línguas é seu romance 1984 (1949), uma sátira pessimista sobre a ameaça de tirania política no futuro.

George Orwell morreu em 1950, na Inglaterra, em conseqüência de uma tuberculose. Entre outras obras, escreveu também Dias na Birmânia (1934), O Caminho de Wigan (1937) e Por Que Escrevo (1946).

Fonte: site Uol

terça-feira, 8 de outubro de 2013

Olhai os lírios do campo – Érico Veríssimo

Olhai os lírios do campo – Érico Veríssimo




Érico Veríssimo foi um grande escritor gaúcho, que nasceu no Rio Grande do Sul em 1905 e, já em 1932, com apenas 27 anos publica seu primeiro livro. Em 1938 publica “Olhai os lírios do campo”, que é considerada por muitos a obra prima de Érico Veríssimo. o livro foi publicado em pelo regime ditatorial do Estado Novo e o autor tem a coragem de trazer temas altamente críticos e sociais de análise da sociedade brasileira daquele período.
A trama é situada em Porto Alegre e é ambientada na década de 1930. O personagem principal é Eugênio Fontes. Todo o romance se desenvolve em torno dele. Entretanto a figura de Olívia é tão presente na vida de Eugênio que ela passa a ser também protagonista da história. O livro é dividido em duas partes e sua narrativa não é linear A primeira parte é permeada de lembranças e é exatamente nessas lembranças que Olívia se faz presente.
A vida de Eugênio vem toda à sua mente durante uma viagem de carro e dessa forma somos convidados a conhecer sua família, sua infância pobre, sua adolescência e sua vida de acadêmico de medicina. Através de fatos selecionados, principalmente fatos que eram para Eugênio motivo de vergonha e humilhação, podemos ter uma ideia da personalidade do nosso personagem principal. Podemos também descobrir as motivações para suas escolhas ao longo da vida. A morte de Olívia faz com que Eugênio repense todas as suas convicções. Ou seja, a segunda parte do livro é uma reconciliação de Eugênio com o mundo e consigo mesmo.
As denúncias sociais feitas por Érico Veríssimo se delineia, não por confrontos abertos, ou pelo personagem principal vivenciar algum tipo de perseguição política. Mas sim, pelos diálogos travados entre os personagens secundários, na maior parte das vezes, a respeito da validade do capitalismo, a respeito do nazismo, monopólios, aborto, situação dos judeus, divórcio, Deus. Já a pobreza e a necessidade de saúde pública de qualidade são temas frequentes na segunda parte do livro. “Olhai os lírios do campo” é, portanto, um romance atual e emocionante. Realista e permeado de denúncias sociais e até mesmo morais.

Para quem quiser ler o livro:





sábado, 28 de setembro de 2013

A importância da leitura

Nove dicas para incentivar e ensinar as crianças a lerem -


Nove dicas para incentivar e ensinar as crianças a lerem

Leia este artigo e faça seu comentário!! Divulgue-nos na sua Rede Social.
A coisa mais simples e também a mais importante que os adultos podem fazer para ajudar as crianças na fase da Pré ou Alfabetização, a criarem o hábito de buscarem o conhecimento do qual elas irão precisar, para serem bem sucedidas na vida pessoal e profissional, é simplesmente ler alto para elas, começando com isto desde cedo.
A habilidade para ler e entender o que está escrito capacita as crianças a serem auto suficientes, a serem melhores estudantes, mais confiantes, levando-as desse modo às melhores oportunidades na vida profissional e a uma vida mais divertida, tranquila e agradável.

Veja a seguir, As Nove Pequenas Coisas que os Pais, Avós, Professores e outros parentes, dispostos a ajudar, podem fazer para auxiliar seus pequenos a aprenderem e a criar neles o gosto pela leitura.

1. Leia em Voz Alta, para seu filho diáriamente. Do nascimento até os seis meses, ele provávelmente não vai entender nada do que você está lendo, mas tudo bem assim mesmo.
A idéia é que ele fique familiarizado com o som de sua voz e se acostume a ver e a tocar em Livros.

2. Para começar, use Livros Ilustrados sem textos ou com bem poucas palavras. Aponte para as cores e figuras e diga seus nomes. Livros simples podem ensinar a criança coisas que mais tarde vão ajudá-la a aprender a ler. Por exemplo, ela aprenderá sobre a estrutura da linguagem - que existem espaços entre as palavras e que a escrita vai da esquerda para a direita.

3. Conte Histórias. Encoraje sua criança a fazer perguntas e a falar sobre a história que acabou de ouvir. Pergunte-lhe se pode adivinhar o que vai acontecer em seguida conforme for contando a história, com os personagens ou coisas da trama. Aponte para as coisas no livro que ela possa associar com o seu dia a dia. "Veja este desenho de macaco. Você lembra do macaco que vimos no
Circo?"

4. Procure por Programas de Leitura. Se você não for um bom leitor, programas voluntários ou governamentais, na sua comunidade ou cidade, voltados para o desenvolvimento da leitura, lhe darão a oportunidade de melhorar sua própria leitura ou então ler para seu filho. Amigos e parentes podem também ler para seu filho, e também pessoas voluntárias que na maioria dos centros comunitários ou outras instituições estão disponíveis e gostam de fazer isso.

5. Compre um Dicionário Infantil. Procure por um que tenha figuras ao lado das palavras. Então começe a desenvolver o hábito de brincando com a criança, provocá-la dizendo frases tais como: "Vamos descobrir o que isto significa?"

6. Faça com que Materiais de Escrever, tais como lápis, giz de cera, lápis coloridos, canetas, etc, estejam sempre disponíveis e a vista de todos.

7. Procure assistir programas Educativos na TV e Vídeo. Programas infantis onde a criança possa se divertir, aprender o alfabeto e os sons de cada letra.

8. Visite com frequencia uma Biblioteca. Começe fazendo visitas semanais à biblioteca ou livraria quando seu filho for ainda muito pequeno. Se possível cuide para que ele tenha seu próprio cartão de acesso e empréstimo de livros da biblioteca. Muitas bibliotecas permitem que crianças tenham seus próprios cartões personalizados com seu nome impresso, caso ela queira, exigindo apenas que um adulto seja o responsável e assine por ela.

9. Leia você mesmo. O que você faz serve de exemplo para o seu filho.
Fonte:U.S. Department of Education/Helping Your Child Get Ready For School series

A Importância da Leitura na Vida das Pessoas - Danilo Leonardi

A Importância de Ler Histórias às Crianças

sexta-feira, 20 de setembro de 2013

Quincas Borba - Machado de Assis


Terminei, semana passada, de ler o livro Quincas Borba do Machado de Assis e estava juntando certa coragem para escrever um post a respeito do livro. Afinal, escrever sobre um livro do Machado de Assis é bem complicado pois é um livro clássico da literatura brasileira e muitos estudos já foram feito a respeito da na obra do autor e qualquer coisa que se diga pode parecer pouco, insuficiente.
Mas, como o objetivo do blog não é fazer um estudo literário sobre livros e autores, mas sim, postar comentários sobre as minhas impressões a respeito da leitura: vamos à obra!!!
EU SIMPLESMENTE ADOREI O LIVRO!!!!!
Discordo sobre  o resumo que muitos fazem a respeito da obra simplesmente transformando o Palha e a Sofia em pessoas que tinham o único objetivo se aproveitar o máximo possível do Rubião. Não concordo porque a situação é bem mais complexa. Eles se aproveitam? Sim, se aproveitam. Mas o Palha tentou várias vezes trazer o Rubião à razão sobre os gastos excessivos, mas não houve jeito.
Entretanto, o livro nos traz muitos ensinamentos importantes. A relação de Rubião com os "amigos" e seguidores da sua "filosofia". Na minha opinião essas pessoas se aproveitaram mais do Rubião do que o Palha e a Sofia.
Outra coisa que eu senti foi a semelhança com D. Quixote na hora que ele tinha seus delírios.
Enfim, o livro traz situações de muita comicidade e situações de muita tragédia.

quarta-feira, 11 de setembro de 2013

O ROMANCE TRAGICÔMICO DE MACHADO DE ASSIS - Ronaldes de Melo e Souza - UFRJ

Estou fazendo uma pesquisa para fundamentar melhor meu post sobre Quincas Borba. Encontrei esse artigo que bate muito com meu ponto de vista:

A originalidade do romance machadiano no contexto da literatura nacional e internacional, eis a tese que se pretende demonstrar através da elucidação hermenêutica da estrutura conjuntiva e coesa da forma dramática e da mundividência tragicômica. A concepção machadiana do romance como drama de caracteres se comprova na encenação dos personagens, que se nos apresentam como consciências cindidas em conflitos consigo mesmas e com os outros, e na auto-dramatização do narrador, que se compraz em representar os outros eus, e não o próprio eu. A originalidade do narrador machadiano consiste em atuar como ator dramático, que assume e finge todo gênero de caracteres, desempenhando diferentes papéis, articulando uma alternância vertiginosa de perspectivas ou máscaras narrativas, modulando vários pontos de vista, sempre recusando a inflexão inercial de se imobilizar na representação doutrinária de um só papel, na adoção monológica de uma visão de mundo pretensamente normativa.  O narrador que finge múltiplas vozes ou que realiza a mimesis de várias atitudes nada tem de volúvel. Pelo contrário, cumpre a sublime função dramática de legítimo mediador dos sentidos culturalmente consentidos pelos diversos estratos sociais da comunidade histórica. Exemplo extremo e sério da representação da alteridade, o narrador singularizado como fingidor representa a disputa das ideologias em luta, e não o primado epistemológico de uma ideologia em particular. Além da mobilidade dos gestos e dos atos do narrador multiperspectivado, a originalidade do romance machadiano também se verifica na mundividência tragicômica do Satyrikon dionisíaco, que subage na urdidura poética dos dramas de Eurípides e Shakespeare. A reversa harmonia da tragédia e da comédia, poematizada por William Shakespeare sob a forma do drama e por Machado de Assis sob a forma do romance, constitui o testemunho eloqüente da perenidade do Satyrikon do deus do duplo domínio da luz e da treva, do bem e do mal, da vida e da morte. O drama encenado pelo narrador machadiano se notabiliza como tragicômico, na acepção originalíssima da mundividência dionisíaca, e não somente no sentido secundário da fusão do trágico e do cômico. A fim de demonstrar a tese proposta, necessário se torna elucidar a origem dionisíaca do drama tragicômico e a sua vigência no romance Quincas Borba .

Texto Integral: http://www.letras.ufrj.br/posverna/docentes/61076-2.pdf





domingo, 1 de setembro de 2013

Sim, eu li a trilogia "50 tons de cinza"

Sim, eu li a trilogia "50 tons de cinza"


Após uma amiga me indicar os livros e enviar o pdf para o meu e-mail, eu li cada um dos livros. E os li em menos de uma semana. Talvez o que eu possa dizer sobre a triologia seja apenas a impressão que tive. Na verdade, não li o livro original, mas sim um arquivo em pdf cuja tradução não foi das melhores, havia algumas lacunas. Mas enfim, vamos ao cometário.


Minha opinião resumida:


Não sei como a autora do Crepúsculo não acusou a autora do Tons de Cinza de plágio. Na verdade, creio que li em algum artigo que a autora de Tons de cinza se inspirou de fato em Crepúsculo. O problema é que todos os elementos centrais da trama são os da série Crepúsculo. Eu já não sou a maior fã de Crepúsculo, acho meio parado, superficial. E na minha opinião, tanto Tons de Cinza quanto Crepúsculo pecam no mesmo aspecto: a ação é em câmera lenta. Ou seja, mesmo quando as autoras tentam enredar em uma cena de grande ação, a situação fica meio monótona.

Daí pode vir a pergunta: e por que você leu os três, por que não parou no primeiro já que era ruim?
Bem, geralmente o livro sendo o máximo ou sendo meio fraquinho eu quero terminar (devorar) a história inteira. Ou seja, eu sou um pouco ansiosa e quando começo não quero mais largar. Para que minha opinião fique expressa de forma mais exata, quando adolescente eu li muita Julia, Bianca e Sabrina e eu gostava, porque era o que eu tinha acesso. Então, poríamos comparar a esses livros. Como a Juliana Gervason falou em um dos seus vídeos: existe literatura pipoca e literatura macarrão italiano!!!!

Além disso, creio que a Juliana Gervason foi muito feliz no seu cometário sobre os Tons de Cinza. Então, abaixo, segue o post que ela fez sobre a trilogia em questão, à qual eu assino em baixo, sem tirar nem por.


Cinquenta tons de cinza e o conto de fadas moderno

Quem nunca se perguntou o que fizeramCinderela e o Príncipe, depois de casados, que atire a primeira edição do livro Cinquenta tons de cinza!

Porque desde que conto de fada é conto de fada que existe a piadinha do pós casamento, certo?

E o mérito da senhora E. L. James foi ter ido um pouco além da pergunta e da piada!

Sim, já começo este texto avisando que o famoso e mal falado Fifty shades of Greynão é nada mais nada menos do que umconto de fadas pós moderno, com direito a final feliz, é claro.

A releitura dos contos de fadas faz parte da sociedade, desde sempre. Mas reler Branca de Neve e o Príncipe (Bela Adormecida e o  PríncipeRapunzel e o Príncipead infinitun e o príncipe) com toques de sadomasoquismo, talvez tenha sido mérito de James.

E sim, eu conheço as versões eróticas dos contos de fadas e não me refiro a elas, neste momento.

A questão toda é que a escritora inglesa trabalhou em cima do clichê mais clichê de todos: a princesa frágil e insegura, presa em seu castelo de vilões, apaixona-se pelo forte e belo príncipe que a salva com seu cavalo branco e a leva para um castelo encantado onde serão felizes para sempre.

Acrescentando-se aí a seguinte alteração: a princesa frágil, inteligente e insegura, presa em seu castelo de dúvidas amorosas e profissionais, apaixona-se pelo forte, belo e rico príncipe que a salva com seu audi conversível e a leva para um apartamento encantado onde serão felizesfazendo sexo para sempre.

Pronto. Algumas palavrinhas mágicas e o conto de fadas está revisitado.

Com direito, sim é claro, à cenas de sexo selvagem pra Emannuele nenhuma botar defeito. [você só entenderá minha piada se tiver mais de 25 anos, desculpe]

E que mal há nisso, perguntam os menos castos?
Eu já respondo de prontidão: mal nenhum, mesmo. A historinha apimentada entre Anastacia e Christian não revela nenhum mérito literário, não transgride nenhuma norma acadêmica, não acrescenta nenhuma mudança para a história da literatura. Fala-se de sexo como antigamente falava-se de amor.

E sim, antigamente amor e sexo estavam terminantemente proibidos de frequentar o mesmo espaço, o mesmo casal, a mesma história. O conto da Bela Adormecida não representa nenhum aspecto erótico porque, dadas as proporções históricas, um homem de verdade jamais, em hipótese alguma, faria sexo com sua amada - ainda mais se ele fosse um belo príncipe encantado. Um cavalheiro digno de apreciação pelas donzelas leitoras de antigamente buscaria o sexo fora de casa. E aí da Adormecida se resolvesse acordar na cama: inquisição para ela e todas as outras bruxas que demonstrassem qualquer tipo (eu disse qualquer mesmo) de interesse em sexo! 

Mas Anastacia pode. Claro que pode! Afinal, as feministas lutaram muito durante os últimos anos e o voto não foi a única conquista que alcançaram!
O que Anastacia não pode, ainda, é trocar de lugar com Christian. Ele domina, ela obedece! As feministas irão bradar com essa frase, eu sei - sou feminista, ora pois. Mas sabemos que para Anastacia dominar e Christian ser o dominado há ainda que se queimar muito soutian por aí... ô se há!

Nem as mulheres e nem os homens desta nossa falsa pós modernidade estão preparados para a reversão dos papeis literários. Que a princesa continue esperando o príncipe, ainda que seja na cama, é a regra do século. E ai dela se resolver descer do dossel e colocar a mão no chicote. Se E. L. James tivesse feito isso, se tivesse revertido os papeis, teria sentido o verdadeiro gosto do fracasso.

Caminhamos um passo e é isso o que vejo. O livro e toda a sua receita pré estabelecida - e estabilizada - de chick lit + porn vendeu muito e vai continuar vendendo. Não é bem escrito - e tão pouco bem traduzido -, não guarda nenhuma característica literária da qual possamos nos orgulhar na posteridade, não possui mérito algum que não seja o corajoso feito de colocar Cinderela e o Príncipe na cama: sussurrando e gemendo ao bel prazer do leitor!




terça-feira, 27 de agosto de 2013

O segredo do Bonzo - Machado de Assis





CAPÍTULO INÉDITO DE FERNÃO MENDES PINTO

Atrás deixei narrado o que se passou nesta cidade Fuchéu, capital do reino de Bungo, com o padre-mestre Francisco, e de como el-rei se houve com o Fucarandono e outros bonzos, que tiveram por acertado disputar ao padre as primazias da nossa santa religião. Agora direi de uma doutrina não menos curiosa que saudável ao espírito, e digna de ser divulgada a todas as repúblicas da cristandade.
Um dia, andando a passeio com Diogo Meireles, nesta mesma cidade Fuchéu, naquele ano de 1552, sucedeu deparar-se-nos um ajuntamento de povo, à esquina de uma rua, em torno a um homem da terra, que discorria com grande abundância de gestos e vozes. O povo, segundo o esmo mais baixo, seria passante de cem pessoas, varões somente, e todos embasbacados. Diogo Meireles, que melhor conhecia a língua da terra, pois ali estivera muitos meses, quando andou com bandeira de veniaga (agora ocupava-se no exercício da medicina, que estudara convenientemente, e em que era exímio) ia-me repetindo pelo nosso idioma o que ouvia ao orador, e que em resumo, era o seguinte: — Que ele não queria outra coisa mais do que afirmar a origem dos grilos, os quais procediam do ar e das folhas de coqueiro, na conjunção da lua nova; que este descobrimento, impossível a quem não fosse, como ele, matemático, físico e filósofo, era fruto de dilatados anos de aplicação, experiência e estudo, trabalhos e até perigos de vida; mas enfim, estava feito, e todo redundava em glória do reino de Bungo, e especialmente da cidade Fuchéu, cujo filho era; e, se por ter aventado tão sublime verdade, fosse necessário aceitar a morte, ele a aceitaria ali mesmo, tão certo era que a ciência valia mais do que a vida e seus deleites.
A multidão, tanto que ele acabou, levantou um tumulto de aclamações, que esteve a ponto de ensurdecer-nos, e alçou nos braços o homem, bradando: Patimau, Patimau, viva Patimau que descobriu a origem dos grilos! E todos se foram com ele ao alpendre de um mercador, onde lhe deram refrescos e lhe fizeram muitas saudações e reverências, à maneira deste gentio, que é em extremo obsequioso e cortesão.
Desandando o caminho, vínhamos nós, Diogo Meireles e eu, falando do singular achado da origem dos grilos, quando, a pouca distância daquele alpendre, obra de seis credos, não mais, achamos outra multidão de gente, em outra esquina, escutando a outro homem. Ficamos espantados com a semelhança do caso, e Diogo Meireles, visto que também este falava apressado, repetiu-me da mesma maneira o teor da oração. E dizia este outro, com grande admiração e aplauso da gente que o cercava, que enfim descobrira o princípio da vida futura, quando a terra houvesse de ser inteiramente destruída, e era nada menos que uma certa gota de sangue de vaca; daí provinha a excelência da vaca para habitação das almas humanas, e o ardor com que esse distinto animal era procurado por muitos homens à hora de morrer; descobrimento que ele podia afirmar com fé e verdade, por ser obra de experiências repetidas e profunda cogitação, não desejando nem pedindo outro galardão mais que dar glória ao reino de Bungo e receber dele a estimação que os bons filhos merecem. O povo, que escutara esta fala com muita veneração, fez o mesmo alarido e levou o homem ao dito alpendre, com a diferença que o trepou a uma charola; ali chegando, foi regalado com obséquios iguais aos que faziam a Patimau, não havendo nenhuma distinção entre eles, nem outra competência nos banqueteadores, que não fosse a de dar graças a ambos os banqueteados.
Ficamos sem saber nada daquilo, porque nem nos parecia casual a semelhança exata dos dois encontros, nem racional ou crível a origem dos grilos, dada por Patimau, ou o princípio da vida futura, descoberto por Languru, que assim se chamava o outro. Sucedeu, porém, costearmos a casa de um certo Titané, alparqueiro, o qual correu a falar a Diogo Meireles, de quem era amigo. E, feitos os cumprimentos, em que o alparqueiro chamou as mais galantes coisas a Diogo Meireles, tais como — ouro da verdade e sol do pensamento —, contou-lhe este o que víramos e ouvíramos pouco antes. Ao que Titané acudiu com grande alvoroço: — Pode ser que eles andem cumprindo uma nova doutrina, dizem que inventada por um bonzo de muito saber, morador em umas casas pegadas ao monte Coral. E porque ficássemos cobiçosos de ter alguma notícia da doutrina, consentiu Titané em ir conosco no dia seguinte às casas do bonzo, e acrescentou: — Dizem que ele não a confia a nenhuma pessoa, senão às que de coração se quiserem filiar a ela; e, sendo assim, podemos simular que o queremos unicamente com o fim de a ouvir; e se for boa, chegaremos a praticá-la à nossa vontade.
No dia seguinte, ao modo concertado, fomos às casas do dito bonzo, por nome Pomada, um ancião de cento e oito anos, muito lido e sabido nas letras divinas e humanas, e grandemente aceito a toda aquela gentilidade, e por isso mesmo malvisto de outros bonzos, que se finavam de puro ciúme. E tendo ouvido o dito bonzo a Titané quem éramos e o que queríamos, iniciou-nos primeiro com várias cerimônias e bugiarias necessárias à recepção da doutrina, e só depois dela é que alçou a voz para confiá-la e explicá-la.
— Haveis de entender, começou ele, que a virtude e o saber têm duas existências paralelas, uma no sujeito que as possui, outra no espírito dos que o ouvem ou contemplam. Se puserdes as mais sublimes virtudes e os mais profundos conhecimentos em um sujeito solitário, remoto de todo contacto com outros homens, é como se eles não existissem. Os frutos de uma laranjeira, se ninguém os gostar, valem tanto como as urzes e plantas bravias, e, se ninguém os vir, não valem nada; ou, por outras palavras mais enérgicas, não há espetáculo sem espectador. Um dia, estando a cuidar nestas coisas, considerei que, para o fim de alumiar um pouco o entendimento, tinha consumido os meus longos anos, e, aliás, nada chegaria a valer sem a existência de outros homens que me vissem e honrassem; então cogitei se não haveria um modo de obter o mesmo efeito, poupando tais trabalhos, e esse dia posso agora dizer que foi o da regeneração dos homens, pois me deu a doutrina salvadora.
Neste ponto, afiamos os ouvidos e ficamos pendurados da boca do bonzo, o qual, como lhe dissesse Diogo Meireles que a língua da terra me não era familiar, ia falando com grande pausa, porque eu nada perdesse. E continuou dizendo: — Mal podeis adivinhar o que me deu idéia da nova doutrina; foi nada menos que a pedra da lua, essa insigne pedra tão luminosa que, posta no cabeço de uma montanha ou no píncaro de uma torre, dá claridade a uma campina inteira, ainda a mais dilatada. Uma tal pedra, com tais quilates de luz, não existiu nunca, e ninguém jamais a viu; mas muita gente crê que existe e mais de um dirá que a viu com os seus próprios olhos. Considerei o caso, e entendi que, se uma coisa pode existir na opinião, sem existir na realidade, e existir na realidade, sem existir na opinião, a conclusão é que das duas existências paralelas a única necessária é a da opinião, não a da realidade, que é apenas conveniente. Tão depressa fiz este achado especulativo, como dei graças a Deus do favor especial, e determinei-me a verificá-lo por experiências; o que alcancei, em mais de um caso, que não relato, por vos não tomar o tempo. Para compreender a eficácia do meu sistema, basta advertir que os grilos não podem nascer do ar e das folhas de coqueiro, na conjunção da lua nova, e por outro lado, o princípio da vida futura não está em uma certa gota de sangue de vaca; mas Patimau e Languru, varões astutos, com tal arte souberam meter estas duas idéias no ânimo da multidão, que hoje desfrutam a nomeada de grandes físicos e maiores filósofos, e têm consigo pessoas capazes de dar a vida por eles.
Não sabíamos em que maneira déssemos ao bonzo as mostras do nosso vivo contentamento e admiração. Ele interrogou-nos ainda algum tempo, compridamente, acerca da doutrina e dos fundamentos dela, e depois de reconhecer que a entendíamos, incitou-nos a praticá-la, a divulgá-la cautelosamente, não porque houvesse nada contrário às leis divinas ou humanas, mas porque a má compreensão dela podia daná-la e perdê-la em seus primeiros passos; enfim, despediu-se de nós com a certeza (são palavras suas) de que abalávamos dali com a verdadeira alma de pomadistas; denominação esta que, por se derivar do nome dele, lhe era em extremo agradável.
Com efeito, antes de cair a tarde, tínhamos os três combinado em pôr por obra uma idéia tão judiciosa quão lucrativa, pois não é só lucro o que se pode haver em moeda, senão também o que traz consideração e louvor, que é outra e melhor espécie de moeda, conquanto não dê para comprar damascos ou chaparias de ouro. Combinamos, pois, à guisa de experiência, meter cada um de nós, no ânimo da cidade Fuchéu, uma certa convicção, mediante a qual houvéssemos os mesmos benefícios que desfrutavam Patimau e Languru; mas, tão certo é que o homem não olvida o seu interesse, entendeu Titané que lhe cumpria lucrar de duas maneiras, cobrando da experiência ambas as moedas, isto é, vendendo também as suas alparcas: ao que nos não opusemos, por nos parecer que nada tinha isso com o essencial da doutrina.
Consistiu a experiência de Titané em uma coisa que não sei como diga para que a entendam. Usam neste reino de Bungo, e em outros destas remotas partes, um papel feito de casca de canela moída e goma, obra mui prima, que eles talham depois em pedaços de dois palmos de comprimento, e meio de largura, nos quais desenham com vivas e variadas cores, e pela língua do país, as notícias da semana, políticas, religiosas, mercantis e outras, as novas leis do reino, os nomes das fustas, lancharas, balões e toda a casta de barcos que navegam estes mares, ou em guerra, que a há freqüente, ou de veniaga. E digo as notícias da semana, porque as ditas folhas são feitas de oito em oito dias, em grande cópia, e distribuídas ao gentio da terra, a troco de uma espórtula, que cada um dá de bom grado para ter as notícias primeiro que os demais moradores. Ora, o nosso Titané não quis melhor esquina que este papel, chamado pela nossa língua Vida e claridade das coisas mundanas e celestes, título expressivo, ainda que um tanto derramado. E, pois, fez inserir no dito papel que acabavam de chegar notícias frescas de toda a costa de Malabar e da China, conforme as quais não havia outro cuidado que não fossem as famosas alparcas dele Titané; que estas alparcas eram chamadas as primeiras do mundo, por serem mui sólidas e graciosas; que nada menos de vinte e dois mandarins iam requerer ao imperador para que, em vista do esplendor das famosas alparcas de Titané, as primeiras do universo, fosse criado o título honorífico de “alparca do Estado”, para recompensa dos que se distinguissem em qualquer disciplina do entendimento; que eram grossíssimas as encomendas feitas de todas as partes, às quais ele Titané ia acudir, menos por amor ao lucro do que pela glória que dali provinha à nação; não recuando, todavia, do propósito em que estava e ficava de dar de graça aos pobres do reino umas cinqüenta corjas das ditas alparcas, conforme já fizera declarar a el-rei e o repetia agora; enfim, que apesar da primazia no fabrico das alparcas assim reconhecida em toda a terra, ele sabia os deveres da moderação, e nunca se julgaria mais do que um obreiro diligente e amigo da glória do reino de Bungo.
A leitura desta notícia comoveu naturalmente a toda a cidade Fuchéu, não se falando em outra coisa durante toda aquela semana. As alparcas de Titané, apenas estimadas, começaram de ser buscadas com muita curiosidade e ardor, e ainda mais nas semanas seguintes, pois não deixou ele de entreter a cidade, durante algum tempo, com muitas e extraordinárias anedotas acerca da sua mercadoria. E dizia-nos com muita graça: — Vede que obedeço ao principal da nossa doutrina, pois não estou persuadido da superioridade das tais alparcas, antes as tenho por obra vulgar, mas fi-lo crer ao povo, que as vem comprar agora, pelo preço que lhes taxo. — Não me parece, atalhei, que tenhais cumprido a doutrina em seu rigor e substância, pois não nos cabe inculcar aos outros uma opinião que não temos, e sim a opinião de uma qualidade que não possuímos; este é, ao certo, o essencial dela.
Dito isto, assentaram os dois que era a minha vez de tentar a experiência, o que imediatamente fiz; mas deixo de a relatar em todas as suas partes, por não demorar a narração da experiência de Diogo Meireles, que foi a mais decisiva das três, e a melhor prova desta deliciosa invenção do bonzo. Direi somente que, por algumas luzes que tinha de música e charamela, em que aliás era mediano, lembrou-me congregar os principais de Fuchéu para que me ouvissem tanger o instrumento; os quais vieram, escutaram e foram-se repetindo que nunca antes tinham ouvido coisa tão extraordinária. E confesso que alcancei um tal resultado com o só recurso dos ademanes, da graça em arquear os braços para tomar a charamela, que me foi trazida em uma bandeja de prata, da rigidez do busto, da unção com que alcei os olhos ao ar, e do desdém e ufania com que os baixei à mesma assembléia, a qual neste ponto rompeu em um tal concerto de vozes e exclamações de entusiasmo, que quase me persuadiu do meu merecimento.
Mas, como digo, a mais engenhosa de todas as nossas experiências, foi a de Diogo Meireles. Lavrava então na cidade uma singular doença, que consistia em fazer inchar os narizes, tanto e tanto, que tomavam metade e mais da cara ao paciente, e não só a punham horrenda, senão que era molesto carregar tamanho peso. Conquanto os físicos da terra propusessem extrair os narizes inchados, para alívio e melhoria dos enfermos, nenhum destes consentia em prestar-se ao curativo, preferindo o excesso à lacuna, e tendo por mais aborrecível que nenhuma outra coisa a ausência daquele órgão. Neste apertado lance, mais de um recorria à morte voluntária, como um remédio, e a tristeza era muita em toda a cidade Fuchéu. Diogo Meireles, que desde algum tempo praticava a medicina, segundo ficou dito atrás, estudou a moléstia e reconheceu que não havia perigo em desnarigar os doentes, antes era vantajoso por lhes levar o mal, sem trazer fealdade, pois tanto valia um nariz disforme e pesado como nenhum; não alcançou, todavia, persuadir os infelizes ao sacrifício. Então ocorreu-lhe uma graciosa invenção. Assim foi que, reunindo muitos físicos, filósofos, bonzos, autoridades e povo, comunicou-lhes que tinha um segredo para eliminar o órgão; e esse segredo era nada menos que substituir o nariz achacado por um nariz são, mas de pura natureza metafísica, isto é, inacessível aos sentidos humanos, e contudo tão verdadeiro ou ainda mais do que o cortado; cura esta praticada por ele em várias partes, e muito aceita aos físicos de Malabar. O assombro da assembléia foi imenso, e não menor a incredulidade de alguns, não digo de todos, sendo que a maioria não sabia que acreditasse, pois se lhe repugnava a metafísica do nariz, cedia entretanto à energia das palavras de Diogo Meireles, ao tom alto e convencido com que ele expôs e definiu o seu remédio. Foi então que alguns filósofos, ali presentes, um tanto envergonhados do saber de Diogo Meireles, não quiseram ficar-lhe atrás, e declararam que havia bons fundamentos para uma tal invenção, visto não ser o homem todo outra coisa mais do que um produto da idealidade transcendental; donde resultava que podia trazer, com toda a verossimilhança, um nariz metafísico, e juravam ao povo que o efeito era o mesmo.
A assembléia aclamou a Diogo Meireles; e os doentes começaram de buscá-lo, em tanta cópia, que ele não tinha mãos a medir. Diogo Meireles desnarigava-os com muitíssima arte; depois estendia delicadamente os dedos a uma caixa, onde fingia ter os narizes substitutos, colhia um e aplicava-o ao lugar vazio. Os enfermos, assim curados e supridos, olhavam uns para os outros, e não viam nada no lugar do órgão cortado; mas, certos e certíssimos de que ali estava o órgão substituto, e que este era inacessível aos sentidos humanos, não se davam por defraudados, e tornavam aos seus ofícios. Nenhuma outra prova quero da eficácia da doutrina e do fruto dessa experiência, senão o fato de que todos os desnarigados de Diogo Meireles continuaram a prover-se dos mesmos lenços de assoar. O que tudo deixo relatado para glória do bonzo e benefício do mundo.

domingo, 25 de agosto de 2013

A chinela turca - Machado de Assis




Vede o bacharel Duarte. Acaba de compor o mais teso e correto laço de gravata que apareceu naquele ano de 1850, e anunciam-lhe a visita do major Lopo Alves. Notai que é de noite, e passa de nove horas. Duarte estremeceu e tinha duas razões para isso. A primeira era ser o major, em qualquer ocasião, um dos mais enfadonhos sujeitos do tempo. A segunda é que ele preparava-se justamente para ir ver, em um baile, os mais finos cabelos louros e os mais pensativos olhos azuis, que este nosso clima, tão avaro deles, produzira. Datava de uma semana aquele namoro. Seu coração, deixando-se prender entre duas valsas, confiou aos olhos, que eram castanhos, uma declaração em regra, que eles pontualmente transmitiram à moça, dez minutos antes da ceia, recebendo favorável resposta logo depois do chocolate. Três dias depois, estava a caminho a primeira carta, e pelo jeito que levavam as coisas não era de admirar que, antes do fim do ano, estivessem ambos a caminho da igreja. Nestas circunstâncias, a chegada de Lopo Alves era uma verdadeira calamidade. Velho amigo da família, companheiro de seu finado pai no exército, tinha jus o major a todos os respeitos. Impossível despedi-lo ou tratá-lo com frieza. Havia felizmente uma circunstância atenuante; o major era aparentado com Cecília, a moça dos olhos azuis; em caso de necessidade, era um voto seguro.
Duarte enfiou um chambre e dirigiu-se para a sala, onde Lopo Alves, com um rolo debaixo do braço e os olhos fitos no ar, parecia totalmente alheio à chegada do bacharel.
— Que bom vento o trouxe a Catumbi a semelhante hora? perguntou Duarte, dando à voz uma expressão de prazer, aconselhada não menos pelo interesse que pelo bom-tom.
— Não sei se o vento que me trouxe é bom ou mau, respondeu o major sorrindo por baixo do espesso bigode grisalho; sei que foi um vento rijo. Vai sair?
— Vou ao Rio Comprido.
— Já sei; vai à casa da viúva Meneses. Minha mulher e as pequenas já lá devem estar: eu irei mais tarde, se puder. Creio que é cedo, não?
Lopo Alves tirou o relógio e viu que eram nove horas e meia. Passou a mão pelo bigode, levantou-se, deu alguns passos na sala, tornou a sentar-se e disse:
— Dou-lhe uma notícia, que certamente não espera. Saiba que fiz... fiz um drama.
— Um drama! exclamou o bacharel.
— Que quer? Desde criança padeci destes achaques literários. O serviço militar não foi remédio que me curasse, foi um paliativo. A doença regressou com a força dos primeiros tempos. Já agora não há remédio senão deixá-la, e ir simplesmente ajudando a natureza.
Duarte recordou-se de que efetivamente o major falava noutro tempo de alguns discursos inaugurais, duas ou três nênias e boa soma de artigos que escrevera acerca das campanhas do Rio da Prata. Havia porém muitos anos que Lopo Alves deixara em paz os generais platinos e os defuntos; nada fazia supor que a moléstia volvesse, sobretudo caracterizada por um drama. Esta circunstância explicá-la-ia o bacharel, se soubesse que Lopo Alves, algumas semanas antes, assistira à representação de uma peça do gênero ultra-romântico, obra que lhe agradou muito e lhe sugeriu a idéia de afrontar as luzes do tablado. Não entrou o major nestas minuciosidades necessárias, e o bacharel ficou sem conhecer o motivo da explosão dramática do militar. Nem o soube, nem curou disso. Encareceu muito as faculdades mentais do major, manifestou calorosamente a ambição que nutria de o ver sair triunfante naquela estréia, prometeu que o recomendaria a alguns amigos que tinha noCorreio Mercantil, e só estacou e empalideceu quando viu o major, trêmulo de bem-aventurança, abrir o rolo que trazia consigo.
— Agradeço-lhe as suas boas intenções, disse Lopo Alves, e aceito o obséquio que me promete; antes dele, porém, desejo outro. Sei que é inteligente e lido; há de me dizer francamente o que pensa deste trabalho. Não lhe peço elogios, exijo franqueza e franqueza rude. Se achar que não é bom, diga-o sem rebuço.
Duarte procurou desviar aquele cálice de amargura; mas era difícil pedi-lo, e impossível alcançá-lo. Consultou melancolicamente o relógio, que marcava nove horas e cinqüenta e cinco minutos, enquanto o major folheava paternalmente as cento e oitenta folhas do manuscrito.
— Isto vai depressa, disse Lopo Alves; eu sei o que são rapazes e o que são bailes. Descanse que ainda hoje dançará duas ou três valsas com ela, se a tem, ou com elas. Não acha melhor irmos para o seu gabinete?
Era indiferente, para o bacharel, o lugar do suplício; acedeu ao desejo do hóspede. Este, com a liberdade que lhe davam as relações, disse ao moleque que não deixasse entrar ninguém. O algoz não queria testemunhas. A porta do gabinete fechou-se; Lopo Alves tomou lugar ao pé da mesa, tendo em frente o bacharel, que mergulhou o corpo e o desespero numa vasta poltrona de marroquim, resoluto a não dizer palavra para ir mais depressa ao termo.
O drama dividia-se em sete quadros. Esta indicação produziu um calafrio no ouvinte. Nada havia de novo naquelas cento e oitenta páginas, senão a letra do autor. O mais eram os lances, os caracteres, as ficelles e até o estilo dos mais acabados tipos do romantismo desgrenhado. Lopo Alves cuidava pôr por obra uma invenção, quando não fazia mais do que alinhavar as suas reminiscências. Noutra ocasião, a obra seria um bom passatempo. Havia logo no primeiro quadro, espécie de prólogo, uma criança roubada à família, um envenenamento, dois embuçados, a ponta de um punhal e quantidade de adjetivos não menos afiados que o punhal. No segundo quadro dava-se conta da morte de um dos embuçados, que devia ressuscitar no terceiro, para ser preso no quinto, e matar o tirano no sétimo. Além da morte aparente do embuçado, havia no segundo quadro o rapto da menina, já então moça de dezessete anos, um monólogo que parecia durar igual prazo, e o roubo de um testamento.
Eram quase onze horas quando acabou a leitura deste segundo quadro. Duarte mal podia conter a cólera; era já impossível ir ao Rio Comprido. Não é fora de propósito conjecturar que, se o major expirasse naquele momento, Duarte agradecia a morte como um benefício da Providência. Os sentimentos do bacharel não faziam crer tamanha ferocidade; mas a leitura de um mau livro é capaz de produzir fenômenos ainda mais espantosos. Acresce que, enquanto aos olhos carnais do bacharel aparecia em toda a sua espessura a grenha de Lopo Alves, fulgiam-lhe ao espírito os fios de ouro que ornavam a formosa cabeça de Cecília; via-a com os olhos azuis, a tez branca e rosada, o gesto delicado e gracioso, dominando todas as demais damas que deviam estar no salão da viúva Meneses. Via aquilo, e ouvia mentalmente a música, a palestra, o soar dos passos, e o ruge-ruge das sedas; enquanto a voz rouquenha e sensaborona de Lopo Alves ia desfiando os quadros e os diálogos, com a impassibilidade de uma grande convicção.
Voava o tempo, e o ouvinte já não sabia a conta dos quadros. Meia-noite soara desde muito; o baile estava perdido. De repente, viu Duarte que o major enrolava outra vez o manuscrito, erguia-se, empertigava-se, cravava nele uns olhos odientos e maus, e saía arrebatadamente do gabinete. Duarte quis chamá-lo, mas o pasmo tolhera-lhe a voz e os movimentos. Quando pôde dominar-se, ouviu o bater do tacão rijo e colérico do dramaturgo na pedra da calçada.
Foi à janela; nada viu nem ouviu; autor e drama tinham desaparecido.
— Por que não fez ele isso há mais tempo? disse o rapaz suspirando.
O suspiro mal teve tempo de abrir as asas e sair pela janela fora, em demanda do Rio Comprido, quando o moleque do bacharel veio anunciar-lhe a visita de um homem baixo e gordo.
— A esta hora! exclamou Duarte.
— A esta hora, repetiu o homem baixo e gordo, entrando na sala. A esta ou a qualquer hora, pode a polícia entrar na casa do cidadão, uma vez que se trata de um delito grave.
— Um delito!
— Creio que me conhece...
— Não tenho essa honra.
— Sou empregado na polícia.
— Mas que tenho eu com o senhor? de que delito se trata?
— Pouca coisa: um furto. O senhor é acusado de haver subtraído uma chinela turca. Aparentemente não vale nada ou vale pouco a tal chinela. Mas há chinela e chinela. Tudo depende das circunstâncias.
O homem disse isto com um riso sarcástico, e cravando no bacharel uns olhos de inquisidor. Duarte não sabia sequer da existência do objeto roubado. Concluiu que havia equívoco de nome, e não se zangou com a injúria irrogada à sua pessoa, e de algum modo à sua classe, atribuindo-se-lhe a ratonice. Isto mesmo disse ao empregado da polícia, acrescentando que não era motivo, em todo caso, para incomodá-lo a semelhante hora.
— Há de perdoar-me, disse o representante da autoridade. A chinela de que se trata vale algumas dezenas de contos de réis; é ornada de finíssimos diamantes, que a tornam singularmente preciosa. Não é turca só pela forma, mas também pela origem. A dona, que é uma de nossas patrícias mais viageiras, esteve, há cerca de três anos, no Egito, onde a comprou a um judeu. A história, que este aluno de Moisés referiu acerca daquele produto da indústria muçulmana, é verdadeiramente miraculosa, e, no meu sentir, perfeitamente mentirosa. Mas não vem ao caso dizê-lo. O que importa saber é que ela foi roubada e que a polícia tem denúncia contra o senhor.
Neste ponto do discurso, chegara-se o homem à janela; Duarte suspeitou que fosse um doido ou um ladrão. Não teve tempo de examinar a suspeita, porque, dentro de alguns segundos, viu entrar cinco homens armados, que lhe lançaram as mãos e o levaram, escada abaixo, sem embargo dos gritos que soltava e dos movimentos desesperados que fazia. Na rua havia um carro, onde o meteram à força. Já lá estava o homem baixo e gordo, e mais um sujeito alto e magro, que o receberam e fizeram sentar no fundo do carro. Ouviu-se estalar o chicote do cocheiro e o carro partiu à desfilada.
— Ah! ah! disse o homem gordo. Com que então pensava que podia impunemente furtar chinelas turcas, namorar moças louras, casar talvez com elas... e rir ainda por cima do gênero humano.
Ouvindo aquela alusão à dama dos seus pensamentos, Duarte teve um calafrio. Tratava-se, ao que parecia, de algum desforço de rival suplantado. Ou a alusão seria casual e estranha à aventura? Duarte perdeu-se num cipoal de conjecturas, enquanto o carro ia sempre andando a todo galope. No fim de algum tempo, arriscou uma observação.
— Quaisquer que sejam os meus crimes, suponho que a polícia...
— Nós não somos da polícia, interrompeu friamente o homem magro.
— Ah!
— Este cavalheiro e eu fazemos um par. Ele, o senhor e eu faremos um terno. Ora, terno não é melhor que par; não é, não pode ser. Um casal é o ideal. Provavelmente não me entendeu?
— Não, senhor.
— Há de entender logo mais.
Duarte resignou-se à espera, enfronhou-se no silêncio, derreou o corpo, e deixou correr o carro e a aventura. Obra de cinco minutos depois estacavam os cavalos.
— Chegamos, disse o homem gordo.
Dizendo isto, tirou um lenço da algibeira e ofereceu-o ao bacharel para que tapasse os olhos. Duarte recusou, mas o homem magro observou-lhe que era mais prudente obedecer que resistir. Não resistiu o bacharel; atou o lenço e apeou-se. Ouviu, daí a pouco, ranger uma porta; duas pessoas — provavelmente as mesmas que o acompanharam no carro — seguraram-lhe as mãos e o conduziram por uma infinidade de corredores e escadas. Andando, ouvia o bacharel algumas vozes desconhecidas, palavras soltas, frases truncadas. Afinal pararam; disseram-lhe que se sentasse e destapasse os olhos. Duarte obedeceu; mas ao desvendar-se, não viu ninguém mais.
Era uma sala vasta, assaz iluminada, trastejada com elegância e opulência. Era talvez sobreposse a variedade dos adornos; contudo, a pessoa que os escolhera devia ter gosto apurado. Os bronzes, charões, tapetes, espelhos — a cópia infinita de objetos que enchiam a sala, era tudo da melhor fábrica. A vista daquilo restituiu a serenidade de ânimo ao bacharel; não era provável que ali morassem ladrões.
Reclinou-se o moço indolentemente na otomana... Na otomana! Esta circunstância trouxe à memória do rapaz o princípio da aventura e o roubo da chinela. Alguns minutos de reflexão bastaram para ver que a tal chinela era já agora mais que problemática. Cavando mais fundo no terreno das conjecturas, pareceu-lhe achar uma explicação nova e definitiva. A chinela vinha a ser pura metáfora; tratava-se do coração de Cecília, que ele roubara, delito de que o queria punir o já imaginado rival. A isto deviam ligar-se naturalmente as palavras misteriosas do homem magro: o par é melhor que o terno; um casal é o ideal.
— Há de ser isso, concluiu Duarte; mas quem será esse pretendente derrotado?
Neste momento abriu-se uma porta do fundo da sala e negrejou a batina de um padre alvo e calvo. Duarte levantou-se, como por efeito de uma mola. O padre atravessou lentamente a sala, ao passar por ele deitou-lhe a bênção, e foi sair por outra porta rasgada na parede fronteira. O bacharel ficou sem movimento, a olhar para a porta, a olhar sem ver, estúpido de todos os sentidos. O inesperado daquela aparição baralhou totalmente as idéias anteriores a respeito da aventura. Não teve tempo, entretanto, de cogitar alguma nova explicação, porque a primeira porta foi de novo aberta e entrou por ela outra figura, desta vez o homem magro, que foi direito a ele e o convidou a segui-lo. Duarte não opôs resistência. Saíram por uma terceira porta, e, atravessados alguns corredores mais ou menos alumiados, foram dar a outra sala, que só o era por duas velas postas em castiçais de prata. Os castiçais estavam sobre uma mesa larga. Na cabeceira desta havia um homem velho que representava ter cinqüenta e cinco anos; era uma figura atlética, farta de cabelos na cabeça e na cara.
— Conhece-me? perguntou o velho, logo que Duarte entrou na sala.
— Não, senhor.
— Nem é preciso. O que vamos fazer exclui absolutamente a necessidade de qualquer apresentação. Saberá em primeiro lugar que o roubo da chinela foi um simples pretexto...
— Oh! decerto! interrompeu Duarte.
— Um simples pretexto, continuou o velho, para trazê-lo a esta nossa casa. A chinela não foi roubada; nunca saiu das mãos da dona. João Rufino, vá buscar a chinela.
O homem magro saiu, e o velho declarou ao bacharel que a famosa chinela não tinha nenhum diamante, nem fora comprada a nenhum judeu do Egito; era, porém, turca, segundo se lhe disse, e um milagre de pequenez. Duarte ouviu as explicações, e, reunindo todas as forças, perguntou resolutamente:
— Mas, senhor, não me dirá de uma vez o que querem de mim e o que estou fazendo nesta casa?
— Vai sabê-lo, respondeu tranqüilamente o velho.
A porta abriu-se e apareceu o homem magro com a chinela na mão. Duarte, convidado a aproximar-se da luz, teve ocasião de verificar que a pequenez era realmente miraculosa. A chinela era de marroquim finíssimo; no assento do pé, estufado e forrado de seda cor azul, rutilavam duas letras bordadas a ouro.
— Chinela de criança, não lhe parece? disse o velho.
— Suponho que sim.
— Pois supõe mal; é chinela de moça.
— Será; nada tenho com isso.
— Perdão! tem muito, porque vai casar com a dona.
— Casar! exclamou Duarte.
— Nada menos. João Rufino, vá buscar a dona da chinela.
Saiu o homem magro, e voltou logo depois. Assomando à porta, levantou o reposteiro e deu entrada a uma mulher, que caminhou para o centro da sala. Não era mulher, era uma sílfide, uma visão de poeta, uma criatura divina. Era loura; tinha os olhos azuis, como os de Cecília, extáticos, uns olhos que buscavam o céu ou pareciam viver dele. Os cabelos, deleixadamente penteados, faziam-lhe em volta da cabeça, um como resplendor de santa; santa somente, não mártir, porque o sorriso que lhe desabrochava os lábios, era um sorriso de bem-aventurança, como raras vezes há de ter tido a terra.
Um vestido branco, de finíssima cambraia, envolvia-lhe castamente o corpo, cujas formas aliás desenhava, pouco para os olhos, mas muito para a imaginação.
Um rapaz, como o bacharel, não perde o sentimento da elegância, ainda em lances daqueles. Duarte, ao ver a moça, compôs o chambre, apalpou a gravata e fez uma cerimoniosa cortesia, a que ela correspondeu com tamanha gentileza e graça, que a aventura começou a parecer muito menos aterradora.
— Meu caro doutor, esta é a noiva.
A moça abaixou os olhos; Duarte respondeu que não tinha vontade de casar.
— Três coisas vai o senhor fazer agora mesmo, continuou impassivelmente o velho: a primeira, é casar; a segunda, escrever o seu testamento; a terceira engolir certa droga do Levante...
— Veneno! interrompeu Duarte.
— Vulgarmente é esse o nome; eu dou-lhe outro: passaporte do céu.
Duarte estava pálido e frio. Quis falar, não pôde; um gemido, sequer, não lhe saiu do peito. Rolaria ao chão, se não houvesse ali perto uma cadeira em que se deixou cair.
— O senhor, continuou o velho, tem uma fortunazinha de cento e cinqüenta contos. Esta pérola será a sua herdeira universal. João Rufino, vá buscar o padre.
O padre entrou, o mesmo padre calvo que abençoara o bacharel pouco antes; entrou e foi direito ao moço, engrolando sonolentamente um trecho de Neemias ou qualquer outro profeta menor; travou-lhe da mão e disse:
— Levante-se!
— Não! não quero! não me casarei!
— E isto? disse da mesa o velho, apontando-lhe uma pistola.
— Mas então é um assassinato?
— É; a diferença está no gênero de morte: ou violenta com isto, ou suave com a droga. Escolha!
Duarte suava e tremia. Quis levantar-se e não pôde. Os joelhos batiam um contra o outro. O padre chegou-se-lhe ao ouvido, e disse baixinho:
— Quer fugir?
— Oh! sim! exclamou, não com os lábios, que podia ser ouvido, mas com os olhos em que pôs toda a vida que lhe restava.
— Vê aquela janela? Está aberta; embaixo fica um jardim. Atire-se dali sem medo.
— Oh! padre! disse baixinho o bacharel.
— Não sou padre, sou tenente do Exército. Não diga nada.
A janela estava apenas cerrada; via-se pela fresta uma nesga do céu, já meio claro. Duarte não hesitou, coligiu todas as forças, deu um pulo do lugar onde estava e atirou-se a Deus misericórdia por ali abaixo. Não era grande altura, a queda foi pequena; ergueu-se o moço rapidamente, mas o homem gordo, que estava no jardim, tomou-lhe o passo.
— Que é isso? perguntou ele rindo.
Duarte não respondeu, fechou os punhos, bateu com eles violentamente nos peitos do homem e deitou a correr pelo jardim fora. O homem não caiu; sentiu apenas um grande abalo; e, uma vez passada a impressão, seguiu no encalço do fugitivo. Começou então uma carreira vertiginosa. Duarte ia saltando cercas e muros, calcando canteiros, esbarrando árvores, que uma ou outra vez se lhe erguiam na frente. Escorria-lhe o suor em bica, alteava-se-lhe o peito, as forças iam a perder-se pouco a pouco; tinha uma das mãos ferida, a camisa salpicada do orvalho das folhas, duas vezes esteve a ponto de ser apanhado, o chambre pegara-se-lhe em uma cerca de espinhos. Enfim, cansado, ferido, ofegante, caiu nos degraus de pedra de uma casa, que havia no meio do último jardim que atravessara.
Olhou para trás; não viu ninguém; o perseguidor não o acompanhara até ali. Podia vir, entretanto; Duarte ergueu-se a custo, subiu os quatro degraus que lhe faltavam, e entrou na casa, cuja porta, aberta, dava para uma sala pequena e baixa.
Um homem que ali estava, lendo um número do Jornal do Commmercio, pareceu não o ter visto entrar. Duarte caiu numa cadeira. Fitou os olhos no homem. Era o major Lopo Alves. O major, empunhando a folha, cujas dimensões iam-se tornando extremamente exíguas, exclamou repentinamente:
— Anjo do céu, estás vingado! Fim do último quadro.
Duarte olhou para ele, para a mesa, para as paredes, esfregou os olhos, respirou à larga.
— Então! Que tal lhe pareceu?
— Ah! excelente! respondeu o bacharel, levantando-se.
— Paixões fortes, não?
— Fortíssimas. Que horas são?
— Deram duas agora mesmo.
Duarte acompanhou o major até a porta, respirou ainda uma vez, apalpou-se, foi até à janela. Ignora-se o que pensou durante os primeiros minutos; mas, ao cabo de um quarto de hora, eis o que ele dizia consigo: — Ninfa, doce amiga, fantasia inquieta e fértil, tu me salvaste de uma ruim peça com um sonho original, substituíste-me o tédio por um pesadelo: foi um bom negócio. Um bom negócio e uma grave lição: provaste-me ainda uma vez que o melhor drama está no espectador e não no palco.